Abaixo-assinado Cultura Rio de Janeiro - Uma afirmação
Para: Rio de Janeiro
A carta a seguir foi escrita por um grupo de realizadores, pesquisadores e produtores de audiovisual independente, expondo algumas preocupações sobre os caminhos ideológicos das políticas culturais cariocas. É um início de conversa possível. Obrigado.
Rio, 29/11/2012
UMA AFIRMAÇÃO
É evidente a pujança econômica pelo qual a nossa cidade, em reflexo do país, está passando e passará nos próximos anos, o que tem levado a uma crescente celebração do aspecto econômico do que seria o ideal de um Rio de Janeiro pautado pela lógica da eficiência e do mercado, algo que é claramente celebrado como ideologia da atual administração do município.
Afirmamos aqui, porém, como cineastas, artistas, pesquisadores e artíficies de obras audiovisuais, que a lógica do mercado não é suficiente e não pode ser vista como premissa central para a implantação de uma política cultural consistente na cidade do Rio de Janeiro. Por política cultural não estamos focando apenas no investimento pontual na produção de obras específicas; filmes deste ou daquele realizador, desta ou daquela produtora - mas numa rede de ações em toda a complexidade que envolve a cultura de uma cidade como o Rio de Janeiro, para além da exclusividade do entretenimento.
Mais do que ser pautada pelo sucesso de algumas obras no mercado, uma política cultural precisa ter a totalidade da cidade como um desafio. Uma cidade democrática é uma cidade em que qualquer cidadão tem a possibilidade de viver e experimentar suas potências sensíveis e inventivas.
Afirmamos que como toda área de investigação da experiência humana (sejam as ciências, seja a filosofia), o processo artístico tem dinâmicas próprias e específicas que não podem ser substituídas pela lógica que rege a produção de eventos ou que organiza a cidade e as vidas, com seus desejos e forças imaginativas, tendo o capital como norte.
Afirmamos também que não haverá uma sociedade que possa gerar harmonias, diálogos e encontros com as diferenças senão pela investigação dos sentidos, signos e formas sensíveis que nos conectam como sociedade, como comunidade, como pessoas; atividades as quais a investigação artística e o cinema se dedicam e que a experiência de contato com essas obras pode gerar quando trazem o novo, não o já visto ou já conhecido.
Acreditamos que para que a cultura possa ser pensada de maneira transversal à toda a cidade, pensada como um direito de todos, a dicotomia entre cultura para o mercado de um lado e arte de outro empobrece ao extremo o que pode a cultura como parte do que constitui a riqueza de uma cidade, sua diversidade e capilaridade. Se o mercado é colocado no centro, é a própria cultura como possibilidade de invenção de povo que fica em segundo plano.
Nós, cineastas, pesquisadores, artistas e artífices do audiovisual carioca aqui assinados, não vamos desistir da missão a que decidimos dedicar nossas vidas, nosso tempo e nosso trabalho; não vamos aceitar o mercado como um Deus maior do que as musas que nos acompanham e continuaremos cultivando e lutando por um território das artes e da expressão investigativa da vida para além de qualquer sequestro de nosso território de representação.
Afirmamos, ainda, que esta carta não foi feita para ofender os agentes diretos da atual administração municipal, já que eles estão ali para promover e articular políticas voltadas para potencializar uma área do conhecimento humano do qual somos laboriosos colaboradores e artesãos. Acreditamos que esta nossa afirmação pública sirva apenas para deixar claro que qualquer de nossos protestos ou senões, não passa pelo desejo mundano de lutar por verbas neste ou naquele projeto, mas passa sim pela defesa de uma atmosfera cultural e artística no Rio de Janeiro que esteja a altura da potência de vida que esta cidade tem a despeito de qualquer tentativa de resumi-la a um guichê promissor para investimentos ou um cabide de imagens pré-moldadas para consumo rápido.
A cultura é de todos e de cada um.
